Pelo menos 30 milhões de brasileiros são vegetarianos, e mais do que um hábito alimentar, esse estilo de vida tem se tornado mais comum do que se imagina.
Respeito aos animais, crenças religiosas, intolerâncias a certos alimentos, opção pessoal e até mesmo gosto alimentar, muitos são os motivos que levam uma pessoa a deixar de consumir produtos de origem animal. E todos nós conhecemos alguém que é ou se tornou vegetariano ou vegano. Mas, como é deixar de comer carnes do dia para a noite?
Para a jornalista Maria Luiza Pereira, o start para se tornar vegetariana foi a partir de leituras sobre o tema. “Fui criada em um lar onde sempre havia bichos de estimação e cresci tendo bastante afeição pelos animais. Mesmo na época em que eu comia carne, ficava incomodada por saber que alguns dos animais que faziam parte da minha dieta eram tão (ou mais) inteligentes, dóceis e companheiros quanto os cachorros e gatos que passaram pela minha vida e eu tanto amei.
Decidida a saber mais sobre o vegetarianismo, encontrei “Por que amamos cachorros, comemos porcos e vestimos vacas”, livro que foi fundamental em minha decisão de fazer a transição para o vegetarianismo”, comenta Maria Luiza.
O vegetarianismo é um regime alimentar que exclui produtos de origem animal. Segundo Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), apresentador e autor de diversos livros, algumas pessoas começam a tirar apenas as carnes e continuam consumindo leite, laticínios, ovos e se autodenominam vegetarianas. “Na verdade, o termo correto para esse grupo seria ovolactovegetariano”. A SVB apesar de preconizar o vegetarianismo estrito, no qual a pessoa não utiliza nenhum produto de origem animal em alimentação (carnes, leites, ovos, laticínios, mel de abelha), reconhece algumas variações. Além do ovolactovegetariano, há
os que são adeptos do lactovegetarianismo e consomem leite e laticínios e os ovovegetarianos que comem ovos.
O estudante de Direito, Luiz Fernando da Silva Martins Mata, conta que a motivação para se tornar ovolactovegetariano há cinco anos veio a partir de uma conscientização política de buscar um mundo melhor. Para ele, o corte na alimentação foi brusco, já que era alguém que consumia muitas carnes. “Tive que explicar muitas vezes minha decisão para minha família e amigos e com o passar do tempo as pessoas foram compreendendo minhas motivações. Me tornar vegetariano, mudou muitos aspectos da minha vida, aprendi a cozinhar e ampliei meu cardápio alimentar”.
Outra corrente que vem ganhando força é o veganismo, um estilo de vida, uma escolha que exclui por completo qualquer tipo de exploração ou morte animal, evitando, além do consumo na alimentação, o uso de roupas de lã ou couro, produtos testados em animais e não apoiando espetáculos circenses, rodeios e zoológicos.
“O veganismo é sobre a nossa atitude em relação aos animais. É uma postura que tem como propósito a ideia de que os animais merecem nosso respeito”, comenta Ricardo.
O veganismo e o vegetarianismo têm ganhado força no Brasil. Dados de pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC), realizada em todas as regiões brasileiras, apontam que 46% da população brasileira deixa a carne de lado ao menos uma vez por semana. É a segunda ou quarta sem carne que já tem se tornado um hábito para muita gente.
Outra pesquisa de 2018, encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) ao Ibope, mostrou que 14% dos brasileiros se consideravam vegetarianos e estavam dispostos a escolher mais produtos veganos.
A indústria também tem acompanhado essa mudança, e foodtechs se especializam em criar
alimentos semelhantes aos com proteína animal, utilizando vegetais.
Naturalmente um onívoro, o ser humano é um animal que se alimenta de todos os grupos de alimentos, por isso, algumas pessoas se sentem mais seguras com um período de transição mais longo, embora, segundo Ricardo, isso não seja uma regra.
“As pessoas têm realidades diferentes, algumas possuem mais dificuldades, outras mais facilidades, e assim por diante. Também tem a questão dos motivos que as levam ao vegetarianismo ou veganismo por questões de saúde ou ambiental, é necessário cada um respeitar e entender seu processo pessoal”, afirma. Durante a pandemia da Covid-19, muitas pessoas reavaliaram seu conceito de estilo de vida, muitas inclusive optaram pela exclusão da carne e de derivados de origem animal e se tornaram vegetarianos ou veganos, como é o caso de Maria Luiza, citada no início dessa matéria. “Ainda pretendo me tornar vegana, pois é uma filosofia de vida que para mim faz muito sentido, e excluir toda forma de exploração e crueldade contra animais”, salienta.
De acordo com Ricardo, em suas conversas e palestras, ele sempre é abordado por pessoas interessadas em se tornarem vegetarianas. “A gente percebe que tantas pessoas que talvez nem pensem se vão ser vegetarianas, se vão adotar o veganismo real na sua vida, são atraídas, elas querem conhecer, hoje é difícil você não conhecer alguém, você não ter contato com alguém que faz parte desse movimento”, diz.
A alimentação vegetariana ou vegana são nutricionalmente saudáveis e possuem inúmeros benefícios, podendo estar em todas as fases da vida. O indicado, como explica a médica endocrinologista e pós-graduada em Nutrologia, Dra. Flávia Almeida, da Equilibre Lavras, é que os adeptos dessas dietas façam um acompanhamento regularmente com médicos e nutricionistas
A Dra. Flávia esclarece que é necessário cuidado para que não ocorra um déficit de vitaminas, minerais e também proteínas, já que grande parte dessas fontes são de origem animal, como carne, ovo, leite ou queijo. “Um bom acompanhamento é capaz de evitar o que chamamos de fome oculta – quando o paciente é aparentemente bem nutrido, mas possui deficiências crônicas de nutrientes essenciais à dieta. As principais deficiências encontradas são de cálcio, vitamina B12, vitamina D, ômega 3 e ferro. Seguir as recomendações, é uma demonstração de cuidado, além da causa animal e ambiental, é cuidar também do seu próprio corpo”, comenta.
A redução do consumo de produtos de origem animal é positiva para o meio ambiente. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam o setor agropecuário como um dos grandes responsáveis pela erosão dos solos, contaminações de mananciais aquíferos e pela emissão de gases do efeito estufa no mundo.
Além disso, a SVB aponta os benefícios para o corpo, como afirma Ricardo: “Vários estudos mostram que adotando o vegetarianismo estrito, uma alimentação à base somente de vegetais reduz o risco de infarto, acidente vascular cerebral (AVC), de pressão alta, entre outras. A adoção de uma alimentação à base de vegetais, é muito benéfi ca em vários âmbitos da nossa vida”.