Uma jornada inesperada

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20 anos após registrar os impactos ambientais na construção da Usina Hidrelétrica Funil, a fotógrafa Ana Regina Nogueira faz um balanço de um dos trabalhos mais impactantes de sua carreira

Sob o ponto de vista técnico, uma fotografia nada mais é do que o uso de uma câmera que capta luzes das cenas. A luz desenha as formas, as cores que compõem uma imagem.

A fotógrafa Ana Regina Nogueira vai mais além. Ela busca, a partir de seu trabalho fotográfico, irradiar e captar as luzes da Vida.

Toda a sua obra anseia por uma luz interior que comungue com a Luz Cósmica do Universo. Nascida em Belo Horizonte, ela estabeleceu desde cedo um interesse profundo pelo universo visual. Conviveu com importantes nomes do cenário brasileiro das artes. Em 1972, deixou o curso de Psicologia da Universidade Paris VII/Jussieu-Sorbonne para se dedicar integralmente à fotografia profissional.

Ana Regina participou de exposições e publicações em diversos países. Radicada em Lavras desde 1994, ela estabeleceu uma profunda ligação com a cidade, sendo responsável por registrar em imagens os Patrimônios Natural, Cultural e Construído da área que seria inundada para a instalação da Usina Hidrelétrica Funil, em 2002.

Ângela, a telefonista, Ponte do Funil (Lavras, 2002)

 

Travessia

Com uma carreira consagrada, hoje também dedicada à escrita e ao projeto gráfico de vários livros de sua autoria, ela faz, 20 anos depois, um balanço daquele momento marcante na sua trajetória. “O que me impulsionou a fazer este trabalho foi ofertar minha criação para a cidade de Lavras, como um agradecimento pela acolhida que tive ao mudar-me para o município”, declara a fotógrafa.

Na época, ela foi contratada pelo Consórcio Empreendedor AHE Funil, constituído pela Companhia Vale do Rio Doce/Vale e pela Companhia Energética de Minas Gerais/Cemig – responsáveis pelo empreendimento – para registrar o processo de implantação da usina. Um trabalho que durou um ano e meio com umas 90 visitas à região e às comunidades do Macaia, Pedra Negra e Funil.

Ana Regina utilizou lanchas, helicópteros, cavalos, automóveis e fez longas caminhadas para fotografar animais, plantas, imóveis, moradores e paisagens que desapareceriam com a construção do lago da usina, formado pelos rios Grande, Capivari e Das Mortes.

Ela registrou também a rotina dos moradores, suas festas, seu artesanato, sua culinária e mergulhou fundo na religiosidade mineira. “Foi um desafio físico, pois havia carrapatos e perigo de picadas de cobras. Eu andava com equipamento pesado. Foi também um desafio psicológico, emocional e espiritual. Vi muita gente chorando, pessoas que sentiam uma dor pungente por serem obrigadas a deixar suas moradias, suas histórias e os locais de seus antepassados. A gente descobre que a dor do outro é a nossa própria dor”, recorda.

Usina Hidrelétrica Funil, vertedouro e casa de força no segundo dia do enchimento da barragem (Lavras e Perdões, 2002)

Legado

Para ela, o trabalho deixou um legado importante, o da necessidade de assumir responsabilidades diante da complexidade do real. “O trabalho me fez viver intensamente cada segundo dentro da imensidão da área atingida. O sentimento foi de irmandade para com os homens e a natureza. Cresceu em mim um amor maior a partir desse trabalho”, diz.

Hoje, a fotógrafa trabalha na coleção “Conversas Sobre Trigueirinho” (Irdin Editora), composta de quatro livros, dois já publicados. O terceiro será dedicado à Comunidade Figueira, localizada no município de Carmo da Cachoeira. Uma carreira que continua em pleno movimento, como a própria vida.

Ana Regina Nogueira. “O trabalho me fez viver intensamente cada segundo dentro da imensidão da área atingida. O sentimento foi de irmandade para com os homens e a natureza”, afirma a fotógrafa.

Ana Regina vê com desgosto o cenário do mundo contemporâneo. “Há um caos no plano das ideias. Existe uma batalha selvagem entre o mau e o caos”. Mas, segundo ela, é também um tempo precioso de servir ao outro com generosidade a fim de que a humanidade se fortaleça durante a atual transição planetária. “Existe um plano de Deus para o mundo e ele se cumprirá. É preciso trabalhar firme pelo amor. Ter a fraternidade e a delicadeza sempre alinhadas com a alma. É preciso buscar certa paz interior, a transformação interna, a luz e o silêncio diante de um mundo tão barulhento”, finaliza.