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O PAI DO GOL

Uma das maiores vozes do rádio brasileiro, locutor esportivo José Silvério completa 60 anos de carreira com a sensação de dever cumprido

Texto: Marco Aurélio Bissoli

Em 1955, uma criança colava seu ouvido no radinho de pilha para conferir o time do Flamengo ser tricampeão carioca. Foi amor à primeira vista. Nascia ali o mito José Silvério. Anos mais tarde, ele passaria da condição de ouvinte para o de dono de uma das vozes mais amadas do rádio brasileiro.

Menino pobre que cresceu com a ausência do pai em Itumirim, o locutor esportivo, que completa 60 anos de carreira, não guarda mágoas do passado. “Passei muita necessidade, mas superei isso através das coisas que eu queria fazer. Eu sempre soube me virar, fui muito esperto”, recorda.

Locutor atuou em 11 Copas do Mundo e incontáveis partidas clássicas do futebol brasileiro.

O locutor chegou a trabalhar em um bar e como engraxate na cidade natal. Nunca se rendeu às adversidades da vida. Foi também narrador de jogos de botão e irradiava jogos amadores. Hoje ele olha para o passado com a sensação de dever cumprido.

José Silvério, 77 anos, começou a carreira narrando partidas de futebol dos clubes Associação Olímpica de Lavras e Fabril Esporte Clube, na Rádio Cultura de Lavras. Trabalhou ainda nas rádios Itatiaia e Inconfidência, de Belo Horizonte, Continental, do Rio de Janeiro, e Tupi, de São Paulo.
Em 1975, ele ingressou na Rádio Jovem Pan, de São Paulo. Era o segundo locutor, atrás de Osmar Santos, mas, com a saída deste, assumiu a titularidade em 1977. Trabalhou entre 2000 e 2020 para a Rádio Bandeirantes, também de São Paulo, onde teve como colegas de locução, Ulisses Costa e Rogério Assis. “Como locutor, tive portas abertas em todos os lugares. Sempre fui muito zeloso e sério com meu trabalho”, avalia.

O “pai do gol”, como ficou conhecido, tornou-se famoso por vários bordões, entre eles, “e que golaço!”, “vou soltar a minha voz”, “pega, que é sua” e “a bola ficou pedindo: “me chuta, me chuta!”. Ele conta que suas principais influências como narrador foram Pedro Luíz e Jorge Curi.
Hoje aposentado, José Silvério se dedica ao convívio familiar. Além dos filhos Alessandro, Andrea e Ana Cristina, reserva tempo para os cinco netos e o carinho da esposa Rose.
“Eu sempre fiz as coisas com determinação. Não era fácil me segurar. Se eu pudesse voltar a irradiar hoje, eu ficaria mais feliz. Eu tive sorte, hoje não há mais espaço para o locutor de rádio. A internet acabou com o rádio”, diz.

Amparado pelo Rei

José Silvério afirma que chegou a torcer pelo Flamengo e o Vasco da Gama nos tempos que morava em Itumirim, mas nunca foi torcedor de nenhum time. “O locutor não torce. Ele pode amar um time, mas ele torce por ele mesmo”, conta.

Foi amigo do ponta-direita Joel Antônio Martins, que fez história no Flamengo e na Seleção Brasileira de Futebol. “Ele jogava muito. Eu tinha uma grande admiração por ele, que treinou o time do Fabril de Lavras muitos anos depois e foi destaque na Seleção Brasileira em 1958”, ressalta.

Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, cedeu um lugar no avião que trouxe José Silvério ao Brasil, após complicações causadas por uma úlcera supurada, em 1978, durante a Copa do Mundo da Argentina.

O locutor narrou jogos de 11 Copas do Mundo e inúmeras partidas de futebol importantes em sua carreira. Vários jogadores famosos, como Ronaldo Fenômeno e Neymar, chegaram a guardar gravações dos seus gols. Ele também não nega que se emocionou muitas vezes ao irradiar jogos.

“O brasileiro não gosta da Copa do Mundo, ele quer ganhar a Copa do Mundo. O futebol brasileiro hoje não é ruim, mas não ganha nada”.

José Silvério viveu maus bocados na Copa da Argentina, em 1978, quando foi acometido de uma úlcera supurada. Ele precisou ser levado às pressas de volta ao Brasil. Foi Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, quem garantiu ao locutor uma vaga no voo lotado entre Buenos Aires e São Paulo, já que o Rei do Futebol tinha dois lugares na aeronave.

“Eu sempre fiz as coisas com determinação. Não era fácil me segurar. Se eu pudesse voltar a irradiar hoje, eu ficaria mais feliz. Eu tive sorte, hoje não há mais espaço para o locutor de rádio. A internet acabou com o rádio”. (Foto: Lucas Seixas – Folha Press)

“Eu estava sangrando e muito doente. Pelé me ajudava, me dava água. Foi um fato marcante na minha carreira. Ele foi o maior jogador de todos os tempos”, finaliza Silvério.

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